Um instrumento milenar ressurge como ferramenta terapêutica. Em busca de manter a mente ativa e afastar os temidos lapsos de memória, idosos no Brasil estão recorrendo a um método inusitado: o Soroban, ábaco japonês secular que vem sendo utilizado como uma forma de “ginástica cerebral” para prevenir o declínio cognitivo e combater o Alzheimer.
Professores e especialistas relatam melhorias na memória, no foco e no bem-estar emocional entre os praticantes, enquanto as oficinas do ábaco se espalham pelo país desde 2009, impulsionadas pelo rápido envelhecimento da população.
Envelhecimento e o desafio da mente ativa
O Brasil envelhece em ritmo acelerado: já se estima que cerca de 5% da população acima de 65 anos sofre de Alzheimer, percentual similar à média mundial. Após os 65, o risco de desenvolver a doença praticamente dobra a cada cinco anos, alcançando 50% de probabilidade aos 85. Diante dessa realidade, e de dados alarmantes como o crescimento de mais de 500% nas mortes por Alzheimer no país entre 1999 e 2008, cresce a busca por estratégias que garantam qualidade de vida, autonomia e mente ativa na terceira idade.
Tradicionalmente, os médicos recomendam atividades como leitura, palavras-cruzadas e jogos de tabuleiro para estimular o cérebro. Agora, um antigo recurso oriental junta-se ao arsenal de “remédios sem faixa preta” para a mente. Você já ouviu falar do Soroban? Esse nome curioso vem de uma antiga ferramenta japonesa de cálculo, e hoje está se tornando um poderoso aliado no envelhecimento saudável. Em outras palavras, o Soroban desponta como um verdadeiro “exercício de academia” para o cérebro dos idosos.
Com o aumento da expectativa de vida, manter o cérebro em forma passou a ser necessidade. “Envelhecer não precisa ser sinônimo de perda. Pelo contrário, com estímulos certos, o cérebro pode continuar aprendendo e se adaptando ao longo de toda a vida”, explica a professora Kátia Sayuri Takahashi, especialista no ensino do Soroban, referindo-se à chamada plasticidade cerebral.
Essa capacidade de formar novas conexões neurais mesmo na velhice é o que dá embasamento científico às iniciativas de ginástica cerebral, e o Soroban vem ganhando destaque justamente por proporcionar desafios cognitivos complexos de maneira lúdica.
O ábaco japonês como terapia cognitiva
Um idoso pratica com o Soroban: o instrumento milenar de cálculo tem se tornado um aliado para manter a agilidade mental na terceira idade. A cena que antes parecia coisa de antiquário oriental agora se repete em salas de aula e lares brasileiros. O Soroban, também conhecido como ábaco japonês, consiste em uma moldura com hastes pelas quais deslizam pequenas contas, permitindo realizar operações de adição, subtração, multiplicação, divisão e até cálculos complexos.
Por trás de cada conta movida no Soroban existe um verdadeiro desafio mental, concentração, coordenação visomotora e raciocínio lógico são exigidos a cada cálculo.
Introduzido no Brasil pelos imigrantes japoneses no século XX, o Soroban era usado em cálculos cotidianos e ensinado às crianças nipo-brasileiras como parte da educação tradicional. Em 1956, o professor Fukutaro Kato fundou a Associação Cultural de Shuzan do Brasil para difundir a arte do Soroban no país.
Por décadas, porém, essa cultura do ábaco permaneceu restrita principalmente à comunidade nipônica e a competidores de cálculo mental. Hoje, o instrumento milenar está conquistando novos públicos e finalidades, provando que não é preciso ser bom de matemática para aprender a usar o Soroban, basta disposição para descobrir algo novo.
Educadores começaram a adaptar o Soroban como ferramenta terapêutica para estimular o cérebro de adultos e idosos. “O Soroban ativa exatamente as áreas do cérebro responsáveis por funções como atenção, raciocínio lógico, memória e concentração”, destaca Kátia Sayuri. Ao deslizar as contas e efetuar cálculos mentalmente, “os idosos exercitam a mente como se estivessem malhando, só que mentalmente”, compara a professora.
Benefícios cognitivos e emocionais
Relatos de benefícios se acumulam conforme o Soroban ganha adeptos de cabelos brancos. “Ao praticar com o Soroban, o idoso desenvolve diversas habilidades cognitivas de forma lúdica, desafiadora e prazerosa”, afirma Kátia, citando ganhos como mais foco e concentração, raciocínio lógico mais ágil, memória mais afiada e maior autonomia nas atividades diárias.
Em grupos e oficinas, há ainda o bônus da interação social, o que ajuda a combater a solidão, e o aprendizado de uma habilidade nova eleva a autoestima e confiança dos alunos. “Além de manter o cérebro em forma, o Soroban também ajuda na saúde emocional e no bem-estar como um todo”, resume a especialista.
Os resultados observados impressionam. “Muitos idosos que participaram de oficinas com o Soroban relataram melhora no foco, mais segurança para fazer contas simples e até mais ânimo para aprender outras coisas”, conta Kátia Sayuri, que há anos promove workshops do ábaco para a terceira idade.
Segundo ela, até mesmo tarefas corriqueiras como conferir o troco do supermercado ou calcular dosagens de remédio passam a ser feitas com mais desenvoltura pelos alunos após alguns meses de prática. “Eles recuperam a confiança em suas capacidades cognitivas, perdem o medo de números”, explica.
Especialistas em gerontologia veem com bons olhos esse movimento. Exercitar o cérebro é, junto com atividade física regular, alimentação saudável e sono de qualidade, um dos pilares para um envelhecimento saudável. Manter a mente ativa pode ajudar a adiar os sintomas das demências, criando uma “reserva cognitiva”. “Notamos que quem estimula o cérebro ao longo da vida chega à velhice em melhores condições de enfrentar eventuais doenças degenerativas”, afirma a geriatra Marília Sato, da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.
Ela destaca que nenhuma atividade isolada é “cura” para o Alzheimer, mas manter o cérebro desafiado por novas aprendizagens, seja com um novo idioma, seja com o Soroban, “pode atrasar o aparecimento dos sintomas e melhorar a qualidade de vida do idoso”.
